Gene Hackman, um dos grandes nomes do cinema, partiu recentemente. Seus últimos dias foram marcados por um silêncio melancólico, pela sombra do Alzheimer e por uma solidão que nos faz refletir sobre o envelhecimento em nossa sociedade. “Era como se vivesse em um filme que se repetia”, disseram aqueles que acompanharam seus derradeiros anos.
A frase, carregada de dor e poesia, traduz a experiência de tantas pessoas que convivem com o Alzheimer e outras formas de demência. Para quem está do lado de fora, a vida parece presa a um ciclo de repetições: as mesmas perguntas, os mesmos relatos, a perda gradual da identidade tal como a conhecemos. Para quem está do lado de dentro, o mundo pode tornar-se um emaranhado de sensações desconexas, onde o passado se mistura ao presente e o futuro se desfaz antes mesmo de chegar.
E a solidão, esse fio quase invisível, vai se entranhando na trama do envelhecimento. Muitas vezes, ela se disfarça no zelo de quem cuida, na pressa de quem visita, na ausência de quem já não vem. Outras vezes, surge como um eco interno, quando o mundo ao redor se desfaz em lembranças esmaecidas e o próprio rosto no espelho já não traz o mesmo reconhecimento.
Na Abordagem Centrada na Pessoa, acreditamos que, mesmo diante da perda cognitiva e das limitações impostas pelo envelhecimento, a essência da pessoa continua presente. A tendência atualizante permanece atuante enquanto há vida. Para além das histórias, afetos, dores e desejos que merecem ser reconhecidos e considerados, precisamos frequentemente nos lembrar de que a pessoa é mais do que seu diagnóstico, mais do que qualquer limitação.
Mas como podemos desenvolver um olhar mais cuidadoso e acolhedor para aqueles que vivem esse processo?
Primeiro, é essencial reconhecermos que cada um de nós também é passagem e transcendência, que estamos todos envelhecendo, e que é importante abrir espaço para abordarmos a temática do envelhecimento e da morte com mais naturalidade. Afinal, vida e morte fazem parte da existência.
Outro aspecto importante é rompermos com o abandono emocional que tantas vezes acompanha o envelhecimento. Não basta oferecer cuidado físico; é necessário olhar nos olhos, escutar com presença, validar emoções, mesmo quando as palavras e o tempo se perdem.
Também é fundamental que a pessoa seja reconhecida como sujeito e não apenas como portadora de uma doença. Esse reconhecimento é essencial, não apenas pela família, mas também pelas pessoas que oferecem suporte. A solidão se dissolve quando há presença genuína, quando alguém segura a mão e diz: “estou aqui”. Os vínculos podem ser cultivados para que a existência continue significativa, mesmo que momento a momento, até o último dia. Afinal, quem somos nós sem as relações que nos nutrem?
O fim da vida, como disse Rogers, pode ser uma ‘abertura para a experiência’. E, apesar das limitações e desafios que cada qual experimente, pode ser vivido com respeito, presença e dignidade.
A história de Gene Hackman nos lembra da fragilidade da memória e da urgência do afeto. Que possamos ser presença na vida dos que envelhecem ao nosso lado, não apenas como cuidadores, mas como testemunhas de sua história, como guardiões de sua humanidade.
Abraços,
Dalissa