A AUTOTRANSCENDÊNCIA ENQUANTO POSSIBILIDADE DE SENTIDO
Amparados nas ricas contribuições da logoterapia de Viktor Frankl, compreendemos a autotranscendência como “sair de nós mesmos”; como olhar para além de nossos interesses mais imediatos e nos permitir questionar pelo propósito de tal ou qual experiência vivenciada.
Por vezes o insistente debater com a realidade factual, quando essa se nos afigura desagradável, sofrida ou rejeitável, nos leva à ampliação do sofrimento e da sensação de absurdo e vazio de sentido.
Olhamos fixamente para a falta (o “buraco” que fica) da coisa mesma de que julgamos necessitar para ficarmos em paz ou felizes e perdemos de vista todo o horizonte de possibilidades que existem mesmo com (e apesar de) a não correspondência entre a realidade e o nosso desejo, o nosso querer.
Em tais momentos mostra-se como possibilidade a inversão de nossa atitude existencial: ao invés de nos consumirmos com “como gostaríamos que a vida e nós mesmos fôssemos e o quão desproporcional é a realidade em se comparando ao nosso querer” precisamos, por assim dizer, aceitar o convite da vida. Precisamos nos questionar em relação às possibilidades de sentido existentes nessa situação ou circunstância na qual estamos colocados, sem o nosso “consentimento” ou desejo, em nossas vidas. Ou seja, quando o inevitável nos visita, ao invés de rejeitá-lo, podemos corajosamente acolhê-lo e assim bem viver, ainda que de modo desafiador e por vezes sacrificante, o sentido para o qual aponta. A não percepção imediata do sentido não significa que ele não exista.
O sentido é inerente à vida e suas circunstâncias, cabendo a nós manter uma postura de abertura para “captá-lo”. Nisso está a autotranscendência: quando consigo ir além do meu ponto de referência, de minhas opiniões e desejos próprios, e consigo colher na e da própria vida o sentido ao qual ela me convida, o sentido dado pelas experiências e que preciso acolher para que o horizonte de possibilidades existenciais permaneça aberto.
Em síntese, mesmo em situações profundamente dramáticas e difíceis, podemos ser capazes de colher algum sentido e mantermo-nos com o olhar atentamente direcionado para o horizonte, o além de nós mesmos, ao contrário de nos fechar (e por vezes enclausurar) no “buraco” da experiência de absurdo, da transitória ausência de sentido.
Que a dor e o sofrimento sejam convites para transcendermos a nós mesmos, para nos transformar e, nos transformando, retomarmos o sentido e significado de nossas vidas, nossas relações, e tudo o mais que implica em estarmos vivos.
(Texto produzido pelos psicólogos André Ramalho e Stéphanie Oliveira – Equipe CPH MINAS)